Bolsonaro não pode pegar carona na imunidade de Ramagem

Vander Loubet*

Venho hoje tratar de um tema que ultrapassa as circunstâncias individuais de qualquer parlamentar e alcança o cerne da nossa ordem constitucional: o respeito aos limites institucionais do Poder Legislativo e a preservação da separação entre os Poderes da República.

Refiro-me à sustação da ação penal (AP) movida contra o deputado federal Alexandre Ramagem, recebida pela Câmara dos Deputados em 3 de abril e aprovada em Plenário no dia 7 de maio.

Tal decisão, é preciso dizer com clareza e firmeza, contraria o texto expresso da Constituição Federal e a interpretação pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), configurando-se como ato inconstitucional e um perigoso precedente para o Estado Democrático de Direito.

A Constituição, em seu artigo 53, páragrafo 3º, dispõe de forma inequívoca: “Recebida a denúncia contra o deputado ou senador por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que poderá, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, sustar o andamento da ação.”

Esta prerrogativa não é um salvo-conduto nem uma autorização para obstrução da Justiça. Trata-se de instrumento excepcional, conferido exclusivamente ao parlamentar e apenas nos limites da sua função legislativa.

O próprio texto constitucional circunscreve essa medida aos crimes praticados após a diplomação e restringe sua eficácia à pessoa do deputado ou senador processado.

Estender os efeitos dessa sustação a terceiros não detentores de mandato parlamentar, como ocorre no caso ora debatido, representa clara extrapolação do texto constitucional. Não se trata de interpretação extensiva admissível, mas de distorção da norma constitucional.

A Câmara dos Deputados não possui, por delegação ou derivação, competência para interromper o curso processual de acusados que não estejam investidos de mandato parlamentar federal.

A jurisprudência do STF também é firme quanto a essa matéria. A Súmula 245 do STF estabelece com nitidez o seguinte entendimento: “A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.”

Trata-se de orientação consolidada e reiterada ao longo dos anos. A imunidade formal do parlamentar, inclusive a possibilidade de sustação da ação penal, não se projeta para além da figura do congressista. A decisão que susta o andamento de uma ação penal deve produzir efeitos personalíssimos, não podendo atingir coautores ou corréus não investidos do mesmo mandato. O respeito à Constituição não é mera formalidade, é o pilar da nossa legitimidade institucional.

Quando esta Casa extrapola suas competências e usurpa a função do Judiciário, mesmo que em nome de um de seus membros, ela compromete sua autoridade e a confiança da sociedade nas instituições democráticas. Por tudo isso, urge que esta sustação seja revista, anulada, bem como desconsiderada em seus efeitos sobre não parlamentares, restabelecendo-se o devido processo legal e o regular andamento da persecução penal.

Que o deputado responda nos limites da lei, com suas garantias constitucionais resguardadas, e que os demais acusados enfrentem as consequências dos atos que lhes são atribuídos nos canais próprios da Justiça, sem interferência indevida do Parlamento.

Finalizo reafirmando: não há imunidade sem limite. Não há prerrogativa sem responsabilidade. Não há Parlamento acima da Constituição. Se queremos fortalecer a Câmara dos Deputados, que o façamos dentro da legalidade, e não à margem dela.

*Deputado federal (PT-MS)

Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

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