Já adiada por duas vezes, a votação do “Projeto de Lei Emergencial da Agricultura Familiar” (PL 735/2020), na Câmara dos Deputados, é necessário para o Brasil enfrentar este momento de crise causado pela pandemia de Covid-19. De acordo com organizações populares do campo que ajudaram a Bancada do PT a construir propostas para garantir recursos para a produção, o PL define o futuro a curto, médio e longo prazos da agricultura familiar e camponesa, incidindo diretamente sobre a garantia de abastecimento de alimentos saudáveis e diversificados para o povo brasileiro.
De acordo com o deputado federal Vander Loubet (PT-MS), um dos autores do projeto, é fundamental que o Brasil tenha políticas públicas consistentes direcionadas à agricultura familiar.
“Já há estudos com base em dados oficiais do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e de outras instituições que mostram que os estoques médios de alguns alimentos estão abaixo do índice mínimo de segurança alimentar necessário para o País, que gira em torno de 20% do nosso consumo anual. E por que a agricultura familiar é importante nessa questão? Porque produz a maior parte dos alimentos que a gente consome”, explica Vander.
O assunto exige atenção. Há risco real de, nos próximos meses, haver aumento no preço da comida e desabastecimento de alguns itens.
“Não quer dizer que haverá prateleiras vazias, mas alguns itens podem começar a faltar se não houver estímulo à produção da agricultura familiar, então, políticas públicas são importantes”, defende Denis Monteiro, agrônomo e secretário-executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
A pandemia, somada à crise econômica, causa uma vulnerabilidade acentuada no abastecimento alimentar, provocada sobretudo pela inflação da comida, que afeta principalmente as famílias mais pobres. Segundo o IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA Geral), no acumulado do período de janeiro/abril deste ano variou 0,22%, enquanto que o da “alimentação no domicílio” variou 3,94%, ou seja, 18 vezes mais que o índice geral. Em alguns alimentos, o preço pago pelo consumidor final chegou a ser 441 vezes maior que o IPCA Geral. O tomate, a batata, o feijão e a banana, que estão na dieta básica das famílias brasileiras, tiveram um salto de 52%, 42%, 23% e 20%, respectivamente, no preço pago pelo consumidor. E se não houverem medidas de fortalecimento para a produção de alimentos, a probabilidade é que a inflação desses alimentos continue a aumentar.
Acesso à água – As representações da agricultura familiar e camponesa, responsável por 70% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, alertam para a necessidade de que todas as pautas encaminhadas e que faziam parte de outros PLs que tramitaram paralelamente na Câmara sejam incluídas no PL 735. Em leitura preliminar do relatório final, segundo Alexandre Henrique Pires, da Coordenação Executiva Nacional da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), faltam medidas duradouras de combate à crise.
Dentre as propostas não contempladas pelo relator estão os recursos específicos para a construção de cisternas no semiárido, região conhecida pela escassez de água e onde se concentra a metade das unidades produtivas classificadas como da agricultura familiar. “Defender o Programa Cisternas é defender a demanda que a gente ainda tem de 350 mil famílias que não têm acesso à água para consumo humano no semiárido e mais de 800 mil famílias que ainda aguardam as tecnologias de armazenamento de água para a produção de alimentos”, lembra Alexandre.
PAA Emergencial – A proposta apresentada até agora no relatório do PL 735 também desconsiderou verbas para a aquisição de sementes e mudas, além de reduzir em 60% os valores propostos para o Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial (PAA-E) e em 50% o recurso proposto para fomento, entre outras exclusões.
“O Estado Brasileiro tem facilidade de gastar mais de um trilhão para salvar bancos e coloca dificuldades para salvar milhões da fome, miséria e desemprego. As camponesas e camponeses já perderam a paciência com essa demora em aprovar esse PL, não queremos caridade, queremos justiça, comida e vida digna” defende Maria Kazé, camponesa e dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores.
Papel das mulheres – Outra crítica aponta que o relatório apresentado diz que as ações “buscam oferecer condições diferenciadas para as mulheres do campo”, mas só atende aquelas na condição de provedoras de família monoparental, salvo no crédito emergencial. As organizações e movimentos populares do campo propõem suprimir essa condição por ser restritiva ao acesso das mulheres, ficando o abono emergencial proposto no seguinte patamar: R$ 3.000,00, sendo ampliado para R$ 5.000,00 quando do acesso por mulheres agricultoras familiares.
“As mulheres são responsáveis por grande parte da diversidade da produção alimentar em seus quintais produtivos, com uma extensa variedade que vai desde frutas e hortaliças aos mais diversos doces, quitutes, queijos, criação de pequenos animais e outros itens que, além de abastecer a família, vão para o comércio direto e feiras locais. As políticas públicas de fomento e créditos seguros precisam valorizar o papel das mulheres na produção”, aponta Rosângela Piovizani, dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
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(Fonte: Articulação Nacional de Agroecologia – ANA)