Estudantes da rede pública iniciaram o atual ano letivo com menor desenvolvimento em língua portuguesa e em matemática em decorrência da substituição do ensino presencial pelo remoto durante a pandemia de coronavírus. Essa perda de proficiência deve levar à redução de rendimentos ao longo da vida. E, se mantido o atual modelo de aulas, o quadro pode piorar.
As repercussões da mudança forçada pela Covid-19 são investigadas no estudo “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, elaborado pelos professores Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, do Insper, em parceria com o Instituto Unibanco.
O trabalho concentra-se no desempenho de terceiranistas, para quem são menores as chances de recuperar o aprendizado perdido ao longo da crise sanitária, uma vez que estão prestes a encerrar a educação básica.
Simularam-se diferentes cenários: o do início deste ano, produto de um 2020 com poucas aulas presenciais e muitas remotas; outro em que se manteria o formato remoto até o fim deste ano; e um terceiro, em que ocorreria a adoção de algum modelo alternativo ao remoto, bem como medidas de reforço e recuperação do aprendizado.
O modelo desenvolvido pelos pesquisadores para efetuar as simulações compreende tanto dados nacionais quanto de estudos acerca de experiências no exterior.
Uma das fontes é o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que oferece um retrato dos níveis de aprendizado no país. Seus indicadores, representados em uma escala de pontuação, provêm de testes e de questionários aplicados em escolas públicas e de uma amostra de colégios privados.
Já a distribuição do aprendizado no ensino médio considerou informações de outros dois sistemas: o de Avaliação Educacional do Piauí (Saepi) e o Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece). Em ambos, o desempenho em língua portuguesa e matemática é aferido nas três séries.
A análise da evolução da proficiência em um ano letivo, por sua vez, teve como referência parâmetros tratados na pesquisa “The Learning Curve: Revisiting the Assumption of Linear Growth Across the School Year”. Neste trabalho, dados de testes de mais de 7 milhões de alunos de escolas públicas americanas sugerem a desaceleração do aprendizado em matemática e sobretudo em linguagem ao longo de séries.
Na metodologia do estudo do Insper em parceria com o Instituto Unibanco, também foram consideradas as perdas em períodos de férias escolares, que correspondem a 25% e a 28% em língua portuguesa e matemática, respectivamente, em relação ao aprendizado de todo o ano letivo anterior.
Remoto X presencial
Dados das redes de cada estado e do Distrito Federal permitiram aos pesquisadores apurar que, em 2020, apenas 13% do ano letivo, em média, se deu com atividades presenciais. Os demais foram cumpridos remotamente.
Foi estimada a eficácia desse ensino remoto em comparação ao presencial levando em conta quatro estudos acerca do tema. Um deles, por exemplo, concluiu, considerando informações de 1,7 milhão de crianças e adolescentes em Ohio (EUA), que o desempenho de quem estudava à distância era inferior ao de quem tinha aulas presenciais, independentemente da idade e da série.
Os dados desse conjunto de estudos permitiram calcular que, ao estudar de forma remota, o estudante aprende efetivamente, em média, 17% do conteúdo de matemática e 38% do de linguagem em relação ao que ocorreria com aulas presenciais.
Também foi examinado o engajamento ao modelo a distância no Brasil. Em 2020, estudantes assistiram, em média, a cerca de 36% das 25 horas de aulas online por semana. Entre os possíveis motivos por trás desse baixo índice estão a falta de acesso à internet, de equipamentos de informática e de estímulo para acompanhá-las.
Nesse cálculo, além de dados da PNAD Covid, serviu de referência a estimativa de impacto de absenteísmo proposta por três pesquisadores de universidades americanas. Segundo o trio, ao não acompanhar um dia de aula, o aluno perde o conteúdo daquele dia em si e uma proficiência equivalente a 1,55 dia de aula.
Resultados
Considerando todos esses elementos, os autores do estudo estimam que estudantes brasileiros ingressaram no terceiro ano do ensino médio, neste início de 2021, com uma proficiência menor –equivalente a nove pontos a menos em língua portuguesa e a dez em matemática na escala do Saeb– frente ao que seria esperado se tivessem cursado todo o segundo ano, em 2020, presencialmente.
Se mantidas somente as aulas a distância até o fim deste ano para os terceiranistas, com o mesmo nível de engajamento observado até o momento, a projeção é que a perda de aprendizado vai se acentuar, alcançando 16 pontos em língua portuguesa e 20 em matemática.
Para se ter uma ideia da dimensão desses números, em tempos normais, um aluno desenvolveria nas três séries do ensino médio uma proficiência total equivalente a 20 pontos em língua portuguesa e a 15 em matemática.
Ainda é possível mitigar esse impacto, segundo os pesquisadores. Para tanto, seria necessário que as escolas adotassem algum modelo híbrido de ensino, substituindo o atual. Os autores recomendam ainda a implantação de medidas que busquem reforçar e recuperar o conteúdo dos currículos e dobrar o nível de engajamento nas aulas online.
Nesse cenário, a perda de aprendizado seria de 11 pontos em língua portuguesa e de 12 em matemática.
Impacto na renda
A deterioração de indicadores de aprendizado deve se traduzir para os jovens em menores ganhos no mercado de trabalho. A perda de proficiência em matemática, por exemplo, pode implicar a diminuição de até 10% da remuneração ao longo da vida deles, se não houver ações para mitigá-la.
Num cenário em que esse prejuízo de aprendizado atinja os cerca de 35 milhões de matriculados nos ensinos fundamental e médio da república do país, a perda poderia somar cerca de R$ 1,5 trilhão ao longo da vida deles.
Para essa projeção, uma das referências dos pesquisadores é a estimativa de que um ponto a menos de proficiência reduz em 0,5% a remuneração de trabalho. Calcula-se que, ao longo de sua vida, um jovem que termina o ensino médio acumula, em média, R$ 430 mil em rendimentos durante sua vida.
Leia o estudo: “Perda de Aprendizagem na Pandemia”
Fonte: Insper
Foto: Sergio Lima/AFP