Vander Loubet*
É muito importante que nós, parlamentares, tenhamos consciência da função de nossas prerrogativas. Afinal, a Constituição Federal nos confere as chamadas imunidades parlamentares com o intuito de assegurar o bom exercício do mandato.
Em particular, a Lei Maior brasileira estabelece a inviolabilidade de nossas palavras, votos e opiniões. Trata-se da chamada imunidade material, que tem a função de impedir que o Poder Judiciário se sobreponha ao Legislativo. No caso, o que se protege é uma instituição que depende da livre manifestação de ideias, e não a pessoa física que as exprime.
Afinal, a própria noção de parlamento remete etimologicamente à fala e remonta a um ideal de democracia que surgiu na Grécia Clássica e se fortaleceu com a Revolução Francesa. Foi a própria concepção contemporânea de Estado de Direito que se edificou sobre o pressuposto de que o amplo debate público leva o exercício do poder político aos melhores resultados.
Na ocasião, o ideário político se renovava com base no princípio de que o poder deveria ser exercido com vistas à satisfação do interesse público. Assim, a ideia de que o representante político poderia atuar ilimitadamente cedia espaço à noção de que ele exercia uma espécie de múnus público. O súdito dava lugar ao cidadão, e a política vocacionava-se à promoção da cidadania.
Passados mais de dois séculos, essas ideias permanecem bastante atuais e precisam ser defendidas. Afinal, apesar de todo o progresso que elas trouxeram, o fantasma do Antigo Regime paira sobre os parlamentares de diversos países sob o manto da defesa de uma inviolabilidade absoluta de suas palavras, opiniões e votos.
Por tudo isso, é alarmante a frequência com que alguns colegas vão à tribuna da Câmara para defender uma concepção absolutamente anacrônica de inviolabilidade. Inclusive, não são raros os que chegam a sustentar o direito de ameaçar de morte os membros de outro Poder.
O que se verifica, portanto, é a subversão das reformas políticas que nos trouxeram ao atual patamar civilizatório. Com isso, um discurso que se vende como a defesa do direito da liberdade de expressão oculta a intenção de se sobrepor ao direito de toda a população brasileira.
Afinal, é preciso ter em mente que, no Estado Democrático de Direito, nenhuma proteção jurídica é absoluta. Aliás, isso sequer deveria precisar ser destacado, pois basta lembrar que a proteção em tela tem o carácter meramente instrumental de garantir o livre exercício de um dos Três Podres.
Vivendo no período em que o Estado de Direito se consolidava, o historiador britânico John Acton se notabilizou com a ideia de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Afinal, o que defendem os que clamam pela liberdade de expressão irrestrita é justamente essa corrupção absoluta.
*Deputado federal (PT-MS)