Vander Loubet*
Com 53 anos de existência oficial, o Mercado Municipal de Campo Grande consegue ser, ao mesmo tempo, o mais antigo e o mais novo ponto de referência da civilização local. Nele se ancoram as experiências dos anos 1950, quando se instalou o ciclo de formulação de políticas desenvolvimentistas que evoluíram a partir da transição entre a pedra fundamental de José Antonio Pereira e a dinâmica dos trilhos da Noroeste do Brasil. E nele também se processa a busca incessante do futuro que despontou com a introdução da maquininha de calcular e se aperfeiçoa hoje na tela LCD de terminais de computador à disposição de comerciantes, consumidores e visitantes.
É este o nosso Mercadão, que do embrião comercial brotou também para ser a síntese ampliada de todas as influências culturais que formataram nossa pluralidade existencial. É o lugar em que mercado tornou-se muito mais que o clássico ambiente da oferta e da procura para elevar-se à condição de porto universal de chegadas, partidas, encontro e reencontros de pessoas, costumes, idéias, quereres, buscas ou do simples direito de cada um ao passeio e às mais diversas possibilidades de convivência humana.
Assim enxergo o Mercadão, na sua excelência de símbolo campo-grandense por fora e por dentro, na dinâmica do vai-e-vem das pessoas e na profusão de sentimentos e de valores que constituem a reserva inesgotável do oxigênio dos seus 53 anos de respiração contínua, sob sol e sob chuva, absolutamente inteiro na essência de um povo que não se deixa abater pelas dificuldades e nem se deixa amedrontar pelas intempéries da economia e da política. É este o Mercado Antonio Valente, fazendo jus à sua história, à história da sua gente e ao nome que recebeu no batismo oficial.
Não por outras razões, considero prioridade absoluta preservar o Mercadão e ir além da simples conservação de seus traços arquitetônicos originais. Cabe a este lugar onde residem passado, presente e futuro, onde se aperfeiçoa a pacífica efervescência de origens e destinos tão diversos, ajustar-se ao futurismo que sua própria dinâmica projeta.
Aos sabores, bancas e arquiteturas originais falta ajustar o Mercadão às novas e imperativas demandas dos povos que ele abriga e da cidade que ele estratifica tão bem, uma cidade que quando o gerou tinha menos que 70 mil moradores e agora, 53 anos depois, beira os 800 mil e caminha no obstinado avanço ao primeiro milhão de habitantes.
Que a revitalização funcional e operacional seja bem-vinda. É necessária, desde que não desfigure os traços embrionários deste verdadeiro parâmetro da história da cidade, da capacidade empreendedora de um povo que neste espaço cultiva e professa sua opção pela democracia e pela paz.
Mais espaços, novas alternativas de circulação e de operacionalização das relações comerciais, adaptação plena ao forte e irresistível apelo turístico e cultural, enfim, que o novo Mercadão seja planejado e viabilizado sem prejuízo ao Mercadão de sempre, que estamos habituados a ver e a sentir. Porque o Mercadão é isso: para ser visto e para ser sentido.
Afinal, semelhante em quase tudo aos demais espaços do gênero existentes no País, o Mercadão de Campo Grande se diferencia na singularidade da sua obra humana como a mais legítima expressão do parto de uma cidade. É o cenário do ontem, do hoje e do amanhã onde se encontram e se renovam, em suas múltiplas relações, os diferentes povos que formam o DNA desta urbe. É o lugar onde todos nos descobrimos iguais pelo respeito e pela convivência entre nossas diferenças. É onde se torna possível sentir que somos todos índios, bolivianos, paraguaios, japoneses, árabes, nordestinos, sulistas, pantaneiros e todas as procedências unificadas neste sentimento universal que só o Mercadão faz pulsar.
*Deputado federal e pré-candidato do PT à Prefeitura de Campo Grande