Edson Moraes*
A escolha de uma mulher para comandar o País é de um ineditismo e de uma importância tão significativos que precisa ser bem dimensionada nas mais diversas formas e manifestações. Até (aliás, principalmente) na nomenclatura de gênero. Dilma Roussef é presidente ou presidenta? As duas formas são corretas. Mas, convenhamos, neste caso o artigo definido feminino “a” encarna com maior propriedade a referência de gênero. E o Dicionário Aurélio – a fonte das fontes – ensina: o feminino de presidente é presidenta.
O renomado jornalista e professor de Ensino Médio Hélio Consolaro afirma que a predominância do masculino na língua reflete o machismo. É o que explica, por exemplo, a rígida e hermética nomenclatura da hierarquia militar. As Forças Armadas e as polícias admitiram o ingresso da mulher em seus quadros, mas não admitem o ajuste da referência de gênero. No quartel não existe “soldada” ou “sargenta”. É soldado, sargento… E os dicionários, em geral, seguem na mesma viela machistóide, assim como grande parte dos jornalistas e órgãos de imprensa.
Um exemplo atual do desprezo à dimensão do que representa a quebra de um tabu secular com a eleição de Dilma é a justificativa da Folha de S. Paulo para continuar chamando de presidente a mulher que chega ao poder máximo de um país ou de qualquer corporação. Veja o que a Folha empunha como argumento: “Em português, as duas formas estão corretas, mas a feminina é pouco usada, diz Thaís Nicoleti, consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL. Para Pasquale Cipro Neto, o uso da forma ‘presidenta’ é desnecessário e causa estranheza”.
Que me desculpem a consultora Nicoleti, o carismático professor Cipro Neto e a vetusta empresa dos Frias de Oliveira, mas ambos escorregaram para a vala (ou cova) rasa do machismo empedernido. Presidenta é um termo desnecessário? Causa estranheza? É forma feminina pouco usada? O que dizer então das trocentas expressões estrangeiras aportuguesadas e neologismos dos mais bizarros que invadem nossos canais de leitura e de cultura diariamente?
Por acaso um cidadão de poucas letras que não possua carro – algo cada vez mais raro no Brasil de hoje – sabe o que significa a palavra recall? Se este cidadão se socorrer de um dicionário da língua portuguesa não a encontrará. Mas é uma expressão utilizada normal e generosamente nos textos da Folha, sem grifo, sem aspas, sem ao menos uma tradução. Ah, certo, a Folha, seus consultores e suas fontes esgrimirão a desculpa: “Esta expressão é bastante utilizada, caiu no domínio público”.
Porém, para cair no domínio público os vocábulos estrangeiros mais usuais e não aportuguesados – como recall, site e twitter, entre tantos – foram adotados pelos meios de comunicação. Se a Folha & companhia fizessem o mesmo com a flexão presidenta certamente os meios de comunicação estariam reconhecendo a real dimensão do que significa a eleição de uma mulher como chefe da Nação. E ainda ajudariam a fazer da língua portuguesa, dos textos jornalísticos e da leitura mecanismos mais eficientes de informação e de formação da sociedade de um país moderno, transformador e capaz de enfrentar e derrubar os muros das desigualdades e dos preconceitos.
Dilma é a primeira presidenta do País!
*Jornalista