(artigo publicado no Midiamax News em 24/08/2010)
Ademar Chagas*
Todos somos sabedores que no Brasil os parlamentares detêm a competência primária de legislar. São eles os representantes do povo que, no Estado de Direito, extraem a vontade soberana da sociedade e as convertem em leis. E o papel do Judiciário, quando provocado, seria conferir se a lei está sendo cumprida de acordo com essa vontade. Bom, deveria ser assim. Simples. Porém, a nossa lei eleitoral é exemplo de que a coisa não é bem assim.
Candidatos a todo instante reclamam das regras e das suas mudanças no “andar da carruagem” do processo eleitoral. O TSE entende agora desta forma, o TRE interpreta agora assim e agora os juízes eleitorais estão se batendo com avaliações diversas e, não-raramente, conflitantes.
Não quero conjecturar sobre se o Judiciário erra procedendo desta ou daquela maneira. Acima de tudo, precisamos modernizar as nossas regras, para que todos saibam, da forma mais simples, qual o jogo a ser jogado. E nossos parlamentares, no contexto de suas obrigações – nem sempre cumpridas por todos -, devem interpretar a vontade de um povo em nosso modelo de organização interna.
O que se analisa é a necessidade de parar com a hipocrisia das reclamações e lamentações renitentes, como se a responsabilidade também não fosse nossa. Entre os candidatos desta eleição estão concorrendo atuais deputados, senadores, vereadores, prefeitos, governadores, entre outros que já ocuparam cargos políticos, bons entendedores dos meandros da disputa e que deveriam fazer o dever de casa e legislar para que as normas não balancem ao sabor de cada pleito e as regras não sejam tratadas como exceção.
Temos leis para os mais diferentes gostos. Juízes se agarram aos seus instrumentos legais e sobretudo às suas interpretações para dizer o que pode e o que não pode, às vezes em considerações pertinentes, outras no embalo de interpretações e leituras pessoais contaminadas por sua vontade ou seu arbítrio exclusivo.
A nossa lei eleitoral é uma tremenda colcha de retalhos. Mudam-se regras antes, durante e depois dos pleitos, não se respeita a vontade do eleitor e de quem quer se eleger, e não se considera muito menos as condições de disputa. Os candidatos gastam, se expõem, fazem compromissos, enfim, já estão com o bloco na rua e subitamente são retirados da caminhada que, às vezes, já chegou a 33% do percurso – e muitos não o fazem, ou o fazem precariamente, política e eleitoralmente prejudicados, porque estão sub-judice. Estes então, só por Deus!
E os políticos? São vítimas? São coitados? Entendo que não. São lenientes, passivos, deixam abertas as brechas para que o Judiciário inverta os papéis, como tem feito. Penso até que se o Judiciário abdicasse de suas prerrogativas, nem regra tivéssemos, como por exemplo, a tal da verticalização das coligações e das propagandas eleitorais… Ficha limpa, ficha suja, bom, depende da interpretação dada.
Com faca e queijo nas mãos, quando “eles” querem, fazem. Quando o Executivo quer aprovar, aprova. Então, falta o quê? Vontade política!
É bom parar por aqui, pois tenho a convicção de que precisamos cuidar das nossas normas e regras que regulamentam o nosso convívio social. É essencial, vital para a democracia e o Estado de Direito, o respeito ao eleitor. Eleições não podem ser programas, realizadas, conceituadas e regidas como se fossem brincadeiras. A sociedade cobra regras claras para a busca da tão desejada paz social. Vamos lá, legisladores, cumpram o seu papel! Ou não venham reclamar depois se perderem essa competência por absoluta falta de uso!
*Advogado e economista, pós-graduando em Direito Eleitoral.