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A prisão da Praça Ary Coelho

Vander Loubet*

A proposta do prefeito Nelson Trad Filho (PMDB) de cercar a Praça Ary Coelho, nosso mais importante centro geográfico, histórico e cultural, que remonta a origem de Campo Grande, deve ser rápida e enfaticamente combatida, pois trata-se de um disparate administrativo sem precedentes em nossa existência secular.

A Praça Ary Coelho é o local público mais tradicional de Campo Grande e, ao longo da história, foi chamada de Praça Dois de Novembro, Praça da Independência e Praça da Liberdade. Somente em meados dos anos 50 passou a ter a atual denominação, em homenagem ao ex-prefeito assassinado em Cuiabá em 1952.

A decisão centralizadora e pouco democrática de cercar a praça faz com que a gestão peemedebista de Nelsinho incorra em duplo equívoco: primeiro, porque as praças, por excelência e constituição, são os espaços do livre acesso, das liberdades de manifestações, do encontro das pessoas, das atividades culturais; segundo, porque, como muitas das recentes ações urbanas em Campo Grande não há participação dos atores sociais envolvidos na decisão e mesmo da sociedade.

Imaginem como seria a Praça da Sé ou a Praça da República em São Paulo, cercadas? Ou, no Rio de Janeiro, a Cinelândia (Praça Floriano), também com cercas? Seria inaceitável, assim como é inaceitável a alegação oficial de que se deve cercar a Praça Ary Coelho porque durante a noite o local é ocupado por usuários de drogas, pedintes, etc. Isso não é argumento, pois seguir essa lógica significaria cercar todas as praças da cidade.

Vista geral da Praça Ary Coelho, no centro de Campo Grande
Vista geral da Praça Ary Coelho, no centro de Campo Grande

Será que a Praça da República (ou Praça do Rádio Clube) também receberá cercas? Nesse caso, felizmente, acredito que não. Nela houve a preocupação efetiva da preservação permanente e da ocupação com atividades diversas, o que culminou, inclusive, com uma emenda parlamentar do senador Delcídio do Amaral para a construção da Concha Acústica. Vale lembrar que a Praça do Rádio, há 15 anos, tinha semelhantes problemas aos da Ary Coelho de hoje: abandono e ocupação por delinquentes e viciados.

O prefeito de Campo Grande, nesses seis anos e meio de gestão, recebeu milhões e milhões de reais em recursos do governo federal viabilizados pela bancada de Mato Grosso do Sul no Congresso Nacional. Esse dinheiro propiciou obras importantes, como a Via Morena (Av. Fábio Zahran, Av. Noroeste/Orla Morena e Av. Duque de Caxias) e a canalização e urbanização dos córregos Cabaça, Segredo, Imbirussú e Bálsamo, entre outras ações. Apoiei todas as grandes obras de Campo Grande, muitas delas sendo entregues agora no aniversário da cidade. Contudo, não posso concordar com um projeto que venha a cercar uma praça pública.

Mesmo não sendo um técnico da área, vi e analisei com atenção o projeto proposto pelo engenheiro Paulo Hernandes. E posso afirmar: sem as grades, sem as cercas, a Praça Ary Coelho deve ficar muito bonita. E é por uma praça assim, bela e livre, pela qual temos que lutar. Praças, em qualquer lugar do mundo, são livres de grades e não podem (ou não deveriam) ser fechadas pela caneta de um prefeito.

Perto de completar 112 anos, Campo Grande já possui demandas próprias de uma metrópole. No entanto, é preciso ter a consciência de que quanto mais a cidade cresce, mais os vestígios históricos precisam ser preservados, para que a modernidade não seja traduzida como “futurismo a qualquer preço”. Basta recordar que a própria Praça Ary Coelho e o cruzamento da Rua 14 de Julho com a Avenida Afonso Pena já perderam seus corações: o coreto da praça e o grande relógio das vias. Não há modernidade sem respeito ao passado.

*Deputado Federal (PT-MS)

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